No
século 17, desenvolveu-se na teologia reformada uma visão de que as alianças
entre Deus e a humanidade constituíam um elemento central dos ensinamentos das
Escrituras. Em obras mais antigas, essa abordagem à Bíblia era chamada de federalismo.
Hoje em dia, é mais comum chamar esse ponto de vista simplesmente de teologia
das alianças ou teologia pactual.
Na
teologia das alianças tradicional, todo o relato histórico da Bíblia foi
dividido em duas relações principais de aliança: a aliança das obras e a
aliança da graça. Nenhuma dessas expressões aparece na Bíblia, mas as
distinções são teologicamente úteis, uma vez que refletem a unidade subjacente
das Escrituras, assim como o termo “Trindade” resume um aspecto essencial da
doutrina das Escrituras acerca de Deus. Essa abordagem das alianças é expressa
claramente na Confissão de Fé de Westminster e nos Catecismos (CFW
7.1-5; 19.1,6; CM 31-36,97).
Na
teologia reformada, a expressão aliança das obras se refere ao acordo
que Deus fez com Adão antes de a humanidade cair em pecado, e não à aliança
feita com Moisés no Sinai, conforme outras tradições cristãs costumam empregar
essa designação. Na aliança das obras feita com Adão, Deus prometeu abençoar
Adão se ele obedecesse ao mandamento divino (Gn 1.28-30), e julgá-lo caso desobedecesse
(Gn 2.15-17). As obras de Adão constituíam o fator determinante, daí o termo aliança
das obras (cf. Os 6.7). Nos últimos anos, tem-se questionado a utilidade de
descrever a relação de Adão com Deus como aliança das obras; muitos estudiosos
preferem falar apenas de um arranjo ou período de experiência anterior à queda
do homem em pecado e à redenção. De qualquer modo, as Escrituras mostram que
Adão não obedeceu a Deus. Assim, Deus providenciou outra aliança, a aliança da
graça em Cristo.
A
expressão aliança da graça é usada para descrever a relação de Deus com
seu povo ao longo do restante das Escrituras. Estritamente falando, essa
aliança foi firmada em definitivo com Cristo como último Adão, o representante
da humanidade redimida. É chamada de aliança da graça porque opera com base na
graça divina oferecida por meio da morte e ressurreição de Cristo a todos
aqueles que creem nele. Alguns teólogos reformados falam de uma aliança
celestial eterna entre o Pai e o Filho, a qual descrevem como aliança de
redenção (Jo 6.37). A aliança da graça é a expressão histórica dessa
aliança eterna.
A
aliança da graça começou com a promessa feita depois da queda de que a descendência
da mulher feriria a cabeça da serpente (Gn 3.15). A partir desse momento, a
aliança da graça se desdobrou em cinco estágios principais ao longo do relato
bíblico. Não há contradição entre esses estágios; antes, cada estágio
subsequente se desenvolve com base nos anteriores.
(1)
Depois da oferta inicial da graça de Deus a Adão (Gn 3.15), a aliança da graça
se desenvolveu por meio da aliança da preservação da natureza firmada com Noé
(Gn 6.18; 9.9-17). O enfoque da aliança com Noé é a estabilidade da ordem
presente da natureza até o fim de todas as coisas, provendo, desse modo, um
âmbito estável para o desdobramento do plano redentor de Deus.
(2)
Em seguida, a aliança de Deus com Abraão (Gn 15; 17) deu início a vários
estágios de alianças feitas com a nação de Israel como povo escolhido de Deus.
Deus prometeu que os descendentes de Abraão receberiam grandes bênçãos e seriam
instrumentos de bênção para toda a raça humana.
(3)
Na sequência, a nação de Israel recebeu a aliança da lei mosaica (Êx 19—24)
durante o êxodo da terra do Egito. Essa aliança visava conduzir Israel a
bênçãos ainda maiores na Terra Prometida.
(4)
Quando Davi subiu ao trono, Deus fez uma aliança real com ele (2Sm 7; Sl 89;
132), na qual prometeu abençoar os filhos de Davi que fossem fiéis e nunca
tomar o trono de Israel da família de Davi.
(5)
Por fim, a aliança da graça atingiu o seu ponto culminante com a nova aliança
instituída por Cristo (Jr 31; Lc 22.20; 1Co 11.25; Hb 8.8-13). Essa aliança se
dá em três estágios: a primeira vinda de Cristo, a História antes de sua volta
e a consumação do seu reino. Nesse desenrolar da aliança da graça, seus estágios
não diferem em substância; antes, são “um e o mesmo sob várias dispensações” (CFW
7.6).
Os
estágios da aliança da graça manifestados nas alianças nacionais que Deus fez
com Israel no Antigo Testamento tinham como propósito específico preparar o
povo de Deus para a vinda do seu Filho, que cumpriria todas as promessas de
Deus e daria forma às sombras dos tipos do Antigo Testamento (Is 40.10; Ml 3.1;
Jo 1.14; Hb 7—10). Na nova aliança, as disposições temporárias para a concessão
dessas bênçãos foram substituídas pelo cumprimento do que elas prefiguravam, ou
seja, Jesus Cristo, o Mediador da nova aliança, o descendente de Abraão e
herdeiro de suas promessas (Gl 3.16). Cristo obedeceu à lei perfeitamente e se
ofereceu como o sacrifício legítimo e definitivo pelo pecado. Como filho de
Davi, hoje Cristo reina sobre o mundo na condição de herdeiro de todas as bênçãos
de perdão, paz e comunhão com Deus em sua criação renovada, conforme as
promessas da aliança — bênçãos que ele concede aos cristãos no tempo presente
(Rm 8.17). Cristo não apenas se entregou pelos eleitos, como também enviou do
seu trono de glória o Espírito Santo e, desse modo, selou o povo de Deus como
propriedade sua (2Co 1.22; Ef 1.13-14).
Como
Hb 7—10 explica, a nova aliança é a expressão suprema da aliança única e eterna
da graça de Deus com os pecadores (Hb 13.20) — um estágio superior àqueles do
Antigo Testamento, com promessas superiores (Hb 8.6), baseadas num sacrifício
superior (Hb 9.23), oferecido por um sumo sacerdote superior, num santuário superior,
garantindo uma esperança superior (Hb 7.26—8.13) que não havia sido revelada de
tal modo em nenhum dos outros estágios da aliança. A efetivação em Cristo das
antigas alianças feitas com Israel também cumpre a promessa de que a porta da
fé se abriria para um grande número de gentios. A fim de estender o reino de
Deus por todo o mundo (veja o artigo teológico “O reino de Deus”, em Mt 4),
tanto judeus quanto gentios se tornam descendentes de Abraão pela fé em Cristo
(Gl 3.26-29), enquanto os judeus e gentios que não estão em Cristo estão também
fora da aliança da graça (Rm 4.9- 17; 11.13-24).
As
Escrituras descrevem os elementos das alianças de Deus com o seu povo em termos
paralelos aos tratados internacionais que eram firmados entre soberanos do
antigo Oriente Próximo. De maneira explícita ou implícita, quatro dinâmicas
fundamentais podem ser observadas em cada um dos estágios da aliança bíblica:
(1)
Deus se revela como o Rei benevolente que inicia e sustenta o seu povo
escolhido em sua relação de aliança com ele.
(2)
Deus exige gratidão fiel daqueles que são incluídos em suas alianças.
(3)
Aqueles que violarem manifestamente as alianças divinas são julgados.
(4)
Aqueles que forem fiéis a essas alianças são abençoados.
Como
Rei divino do universo (veja o artigo teológico “O reino de Deus”, em Mt 4: O reino de Deus: Um reino presente ou futuro?),
Deus usou as prescrições de suas alianças para levar o seu povo ao seu objetivo
final: reunir um povo redimido “de todas as nações, tribos, povos e línguas”
(Ap 7.9), que habitará numa ordem mundial renovada (Ap 21.1-5). Nisso, a
relação de aliança alcançará a sua expressão mais plena: “Eles serão povos de Deus,
e Deus mesmo estará com eles” (Ap 21.3). Nos dias de hoje, o reino de Deus
ainda está avançando em direção a esse alvo.
A
estrutura dupla de uma aliança das obras e outra da graça descreve todo o
relacionamento soberano de Deus com a humanidade. A salvação nos foi concedida
porque Cristo cumpriu os requisitos da aliança das obras por meio de sua
obediência perfeita. Em decorrência disso, a nossa salvação é uma salvação da
aliança: justificação e adoção, regeneração e santificação são misericórdias da
aliança; a eleição foi a escolha feita por Deus dos membros dessa comunidade purificada
e definitiva da aliança, a igreja invisível (veja o artigo teológico “A igreja
visível e a invisível”, em 1Pe 4); o batismo e a Ceia do Senhor, que
correspondem à circuncisão e à Páscoa, são ordenanças da aliança; a lei de Deus
é a lei da aliança e guardar a sua lei é a expressão mais verdadeira de
gratidão e lealdade em resposta à graça de Deus demonstrada na aliança. A
renovação dos nossos compromissos dentro da aliança com Deus em resposta à sua
fidelidade deve ser um exercício devocional habitual de todos os cristãos,
tanto no culto público quanto no particular. A compreensão da aliança da graça
nos orienta e ajuda a apreciar não apenas a diversidade das Escrituras, mas também
a sua extraordinária unidade.
Fonte: Artigo extraido da Bíblia de Estudo de Genebra
2ª Edição Revisada e Ampliada
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