É comum pensar que a teologia reformada nega o livre-arbítrio humano e
se mostra contrária a passagens que enfatizam a importância da decisão
humana no processo de salvação. Na realidade, porém, a teologia
reformada sempre reconheceu as atividades reais da vontade humana na
salvação.
Embora a expressão “livre-arbítrio” não apareça nas Escrituras, num
sentido técnico ou teológico, é correto dizer que a Bíblia tanto afirma
como nega, de várias maneiras, que as pessoas possuam livre-arbítrio. Os
teólogos reformados costumam abordar essa questão distinguindo entre a
livre agência humana, o livre-arbítrio moral e a liberdade absoluta.
Em primeiro lugar, a livre agência simplesmente reconhece que os seres
humanos são criaturas que possuem vontade própria. Ao contrário de
pedras, árvores, montanhas e outras partes da criação, os seres humanos
fazem escolhas morais. Todos os seres humanos são agentes livres, no
sentido de que tomam decisões ao que farão. Por esse motivo, também
somos moralmente responsáveis pelas nossas escolhas voluntárias. Foi
assim com Adão tanto antes quanto depois de ele ter pecado; é assim
agora e o será para os cristãos glorificados – um fato que é refletido
ao longo da Bíblia. Todas as pessoas têm o dever de fazer escolhas
certas e responsáveis (Js 24:15; 2Sm 12:1-10; Jo 7:24; Rm 1:18-32;
14:13). No entanto, a livre agência não inclui a capacidade de fazer
qualquer escolha moral em qualquer circunstancia, nem a capacidade de
escolher algo contrário à própria natureza. Uma vez que a obediência e
fé no evangelho são contrárias a natureza humana decaída (Rm 8:4-8), o
conceito de livre agência não afirma que o homem decaído possui o
livre-arbítrio para fazer tais coisas.
O livre-arbítrio moral, por sua vez, é uma capacidade de escolher entre
todas as opções morais que uma situação apresenta. Muitos teólogos
cristãos do século 2º. (por exemplo, Clemente de Alexandria e Orígenes),
ensinavam que a natureza humana decaída possui o livre-arbítrio.
Negavam que os seres humanos limitados pela sua condição moral decaída,
insistindo em vez disso que os homens são capazes de escolher qualquer
rumo que desejarem, incluindo a decisão, pelo seu próprio poder e
vontade, de crer no evangelho e obedecer a ele. Essa visão contrasta
nitidamente com as Escrituras. Agostinho e teólogos reformados afirmaram
corretamente apesar de a humanidade possuir livre-arbítrio moral antes
da queda, o pecado original nos privou do mesmo.
Uma vez que somo descendentes de Adão, não temos a capacidade natural
de discernir e escolher o caminho de Deus ou de crer no evangelho, pois
não temos nenhuma inclinação natural para com Deus. Nosso coração é
escravo do pecado e somente a graça e a regeneração podem nos libertar
dessa servidão. Por isso Paulo ensinou em Romanos 6:16-23 que somente as
pessoas libertas do domínio do pecado podem escolher entre a justiça
livremente e de todo coração. Uma inclinação do coração para agradar a
Deus é um dos aspectos da liberdade que Cristo concede aos seus
seguidores (Jo 8:34-36; Gl 5:1,13).
Tem havido, e ainda há teólogos cristãos que argumentam de várias
maneiras que, a fim de terem qualquer relevância, as escolhas humanas
devem ser absolutamente livres dos decretos soberanos de Deus. A
teologia reformada rejeita categoricamente este erro. Em primeiro lugar,
é evidente que possuímos várias limitações físicas e mentais
decorrentes da ordem natural determinada por Deus para este mundo. Não
temos a liberdade absoluta em nenhuma área. Ademais, as Escrituras
ensinam que Deus tem um plano imutável que abrange todos os
acontecimentos que ocorrem, desde os maiores até os menores (Is 46:10;
Mt 10:29-31). As escolhas humanas estão incluídas nesse plano, mas não
podem, jamais, impedir ou frustrar os propósitos de Deus (Is 8:10;
14:26-27). Portanto, assim como estamos certos de que nenhum ser humano
decaído tem a capacidade moral de escolher crer no evangelho, podemos
ter certeza de que ninguém tem a capacidade de frustrar os propósitos de
Deus nem a salvação que ele determinou para nós em Cristo (Rm 8:28-30).
Todos os que foram predestinados à salvação receberão o chamado eficaz,
serão regenerados e escolherão crer. Essa limitação de nossa vontade não
é, de maneira alguma, um fatalismo que diminui a importância da escolha
humana, mas sim, uma afirmação sublime do nosso lugar importante no
mundo de Deus.
Fonte: Artigo extraido da Bíblia de Estudo de Genebra
2ª Edição Revisada e Ampliada
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